Cemitério de satélites se expande e companhias tentam pôr ordem no céu

Depois de cumprir 13 anos de serviços, o satélite Amazonas 1, o primeiro da Hispamar, recebeu da Terra, no dia 19 de junho, a última missão: realizar sua própria "cerimônia fúnebre". O satélite deslocou-se da posição em que se encontrava, a 36 mil quilômetros da Terra, e subiu mais 300 km até chegar ao ponto de seu descanso final: a chamada órbita cemitério.

O Amazonas 1 viajou durante quatro dias até alcançar seu destino. De lá, transmitiu seus últimos dados para finalmente "morrer". Sem combustível nem bateria, foi desligado e se juntou a outros satélites inativos e milhares de objetos que gravitam o planeta.

Há várias organizações que se encarregam de monitorar objetos no espaço. A mais conhecida é a agência Space Command, da Força Aérea americana, que rastreia o trajeto dos satélites. A agência fornece um serviço público, gratuito, sobre a localização de objetos que possam causar riscos à navegação.

Segundo a Agência Espacial Europeia (ESA, na sigla em inglês), nos últimos 15 anos, entre metade e dois terços de todos os satélites que operam na órbita geoestacionária (GEO) foram encaminhados à órbita cemitério.

Na órbita GEO existem entre 350 e 400 satélites ativos, além de 1,5 mil objetos de grande proporção catalogados, que vão de satélites desativados a fragmentos de lixo espacial, de acordo com Mark Dickinson, vice-presidente de operações de satélites da Inmarsat e presidente da Space Date Association (SDA), uma organização privada sem fins lucrativos.

Mas existem cerca de 750 mil objetos entre 1 cm e 10 cm orbitando a Terra, e mais de 166 milhões de 1 mm a 1 cm. Em torno de 18 mil objetos já foram catalogados e são monitorados por sistemas de vigilância. Com velocidade de 40 mil quilômetros por hora, o impacto desses objetos errantes com os satélites em operação provoca explosões, com danos severos aos equipamentos, que são responsáveis por serviços relevantes no dia a dia como localização por GPS, comunicação, entretenimento, segurança, vigilância, meteorologia e estratégia militar.

Já houve também colisões entre os próprios satélites, como a registrada em 2009 entre o americano Iridium-33 e o russo Cosmos-2251, gerando milhares de fragmentos. Mas isso foi na órbita circular de baixa altitude (LEO, em inglês). De acordo com a agência europeia, cerca de 24% dos objetos catalogados são satélites (dos quais, menos de um terço está operando) e 18% são partes do foguete e itens relacionadas à missão.

Para tentar pôr ordem no caos, evitar que o lixo espacial continue a crescer descontroladamente e maximizar seus investimentos, organizações globais, operadoras e governos criaram regras de convivência no céu. A órbita cemitério, regulamentada em 2002, é uma dessas iniciativas.

A União Internacional das Telecomunicações (UIT) faz as recomendações para a retirada do satélite da órbita, estabelecendo os parâmetros. Os órgãos reguladores de cada país ou blocos econômicos endossam as medidas e podem até acrescentar exigências. No Brasil, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) orienta as operadoras com base nas regras da UIT.

Antes de ser criada uma regulamentação que abrangesse operadoras de todo o mundo, as empresas simplesmente abandonavam em órbita seus satélites que chegavam ao fim da vida, disse Luiz Otávio Vasconcelos Prates, presidente do Sindicato Nacional das Empresas de Telecomunicações por Satélite (Sindisat). Há 15 satélites operacionais sobre o Brasil, segundo o Sindisat.

Nos últimos anos, centenas de satélites transformaram o céu num grande olho digital, o que levou as nações mais desenvolvidas a investirem em monitoramento dos objetos que estão gravitando.

Foi o interesse nesses incidentes espaciais que uniu três grandes operadoras globais de satélite - Inmarsat, Intelsat e SES - em 2009, resultando na criação da Space Data Association. As empresas decidiram também assumir o papel de monitoramento, prevenção e controle de colisões de equipamentos e objetos em órbita. Mais tarde, outra grande operadora, a Eutelsat juntou-se ao grupo. Hoje, a organização conta com 35 membros que representam 62% dos satélites em atividade, diz Dickinson.

Em 2010, a Analytical Graphics (AGI) conseguiu um contrato para projetar e operar o sistema de alerta da SDA, com o objetivo de reduzir riscos de colisões e interferência em frequências. A AGI fornece um software que define o padrão para analisar e visualizar os objetos no espaço e no tempo. Todos eles são identificados, catalogados e posicionados no mapa com a trajetória que seguem e em que ponto cruzarão com a órbita de um satélite.

Dados fornecidos pelo governo americano e outras instituições também são catalogados. As informações são transmitidas às operadoras, que manobram seus satélites, afastando-os das rotas de colisão, a partir de controle em terra.

A SDA fez um acordo com a AGI para atualizar seu serviço de gerenciamento de tráfego no espaço. A nova versão permitirá a seus membros acessarem um catálogo independente e exato de objetos espaciais maiores de 20 cm que estão no arco geoestacionário, ou atravessando-o. O sistema será alimentado pela Commercial Space Operations Center (ComSpOC), da AGI, que tem um catálogo espacial e cruzará os dados das empresas com sua rede global de sensores.

Embora a UIT recomende a distância de 300 km da órbita GEO para o cemitério, agências espaciais, órgãos reguladores e governos podem ter limites próprios. Há satélites que falham antes de alcançar a altura correta e ficam na fronteira do cemitério ou pouco acima da GEO. Segundo Dickinson, a orientação da UIT foi criada para que os satélites não desçam do cemitério para órbitas mais baixas por ao menos 200 anos.

Fonte: LabGIS-UERJ | Valor Econômico.

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